Uma conhecida minha escreveu o texto abaixo, ela foi na missão que teve no Porto de Moz (fronteira do Amazonas com o Pará).
Rio Amazonas, 23 de setembro de 2002
Hoje eu chorei.
Chorei de vergonha em ser brasileira. Chorei pela injustiça que assola esse nosso País. Chorei ao ouvir o Idalino, essa força carismática em forma de gente, dizer que “não há mais esperanças”.
Chorei ao pensar em todos os ribeirinhos batalhadores com quem
convivi nos últimos cinco dias e que agora estão à mercê da própria sorte.
Chorei com o descaso das autoridades e da imprensa brasileira com essa dura
realidade do norte do nosso Brasil - um país que eu amo e ao mesmo tempo
odeio; que sinto orgulho e também sinto vergonha; que é lindo mas também é
podre; que é exuberante e rico e também miserável... Um Brasil que os outros brasileiros não conhecem; que não se interessam; que não os atinge. Uma realidade difícil, violenta, que mata sonhos, que mata pessoas.
“O Fantástico não deu...” Dormi pensando nisso e acordei com esse gosto amargo na boca... Posso encontrar milhares de justificativas, mas nenhuma delas chega a me convencer... Motivos políticos? Editoriais? Estéticos... Não... Nada disso parece fazer sentido quando a vida corre perigo.
Penso que o compromisso do jornalista é com a verdade. E com a coragem. Coragem de não ter o rabo preso; brigar pela notícia e de mostrá-la - nua e crua. De levar a informação para o maior número de pessoas possível - para que, assim, elas possam pressionar os responsáveis por uma mudança de comportamento e atitude. Para aumentar a sensação de segurança, que já é nenhuma, em torno dos que mais precisam. Parece tão simples!... Mas nada é simples
nessa parte remota da Amazônia, onde nada parece acontecer, porque nada se vê, nada se ouve, nada se fala. Comunidades inteiras estão isoladas nessa região, à mercê de
políticos criminosos, que se escondem atrás do seu cargo político para intimidar e proteger interesses escusos... A integridade física das pessoas é ameaçada; a natureza é destruída, e ninguém pode fazer nada - nem a polícia, nem o governo, nem a população. Pelos mais
diferentes motivos: falta de recursos, falta de pessoal, falta de vontade política,
falta de tudo. Mas tudo já falta a essa gente que nada tem!...
Incomoda esse “é assim mesmo, o que se pode fazer?”. Me sinto desconfortável com esse lavar as mãos geral. Essa sensação de impotência. As autoridades competentes (?) desse nosso Brasil não dispõem de recursos humanos, financeiros, de condições mínimas para realizar bem o seu trabalho. E a população não tem a quem recorrer - porque “não se pode fazer nada”. Não se pode fazer nada?... A população brasileira está carente, está miserável, está
morrendo, mas nem a polícia, nem a justiça, nem o governo podem fazer nada... Quem pode, então?... Melhor então fechar as portas do Palácio do Planalto, do Senado, do Congresso e de todas as instituições públicas - porque nada podem fazer. E provam que de nada servem. Que país é esse?
Hoje, me sinto triste. Triste pelo peso de tantos “nãos” - do não se pode
mudar, não se pode fazer nada, não se pode falar. Mas não perdi, nem por
um segundo, a vontade de seguir lutando. Sei - como a Fernanda, jornalista
da TV Record, e meu amigo Dave, que foram agredidos diretamente depois de
um protesto pacífico - que a vida é frágil e incerta. E que não há diferenças entre você e eu. Somos um só; porque estamos do mesmo lado e acreditamos na força de nossas convicções de que é, SIM, possível viver com mais dignidade, num mundo mais justo. O Brasil tem jeito
SIM; o mundo tem jeito SIM...
A estrutura é rígida, mas também é podre. Nos disseram que somos fracos. Mas somos muitos e mais flexíveis. E como disse o Idalino: “Porque somos unidos, ninguém pode nos quebrar”. Não se pode quebrar o sonho das pessoas que acreditam. E eu acredito.
Tica Minami
segunda-feira, setembro 30, 2002
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